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NIETZSCHE: POR UMA FILOSOFIA OLFATIVA OU DE COMO SE FILOSOFAR COM O NARIZ

Existe na tradição filosófica, principalmente, nas filosofias de matrizes racionalistas, ou idealistas, ou espiritualistas, um desprezo ou menosprezo dos sentidos. Salvo algumas correntes, a tradição filosófica não deu importância aos sentidos. Num grande arco histórico da corrente empirista, podemos dizer que do “empirismo” clássico de Aristóteles ao empirismo transcendental de Hume, temos filósofos que compreenderam a importância dos sentidos na produção do conhecimento. A famosa frase aristotélica: “Nada está no intelecto sem antes ter passado pelos sentidos” é reveladora do papel dos sentidos na sua teoria do conhecimento. Os sentidos são as portas do intelecto, sem elas o intelecto seria um tipo de quadro em branco, pois não teria nada. Na perspectiva empirista, o conhecimento é fruto das nossas experiências sensoriais. Porém, o pensamento hegemônico na história da filosofia não foi o de matriz empirista, mas sim o idealismo platônico, por isso os sentidos corporais foram marginalizados. Até mesmo na Estética, onde os sentidos são essenciais nas experiências com as obras de artes, não temos uma valorização de todos os nossos sentidos. O filósofo Alemão Kant produziu uma forte hierarquia dos nossos sentidos, em seu tratado de Antropologia no sentido pragmático. Nessa obra, os sentidos são divididos em duas classes: O tato, a audição e a visão são os sentidos de primeira classe, sendo o último, a visão, o mais nobre de todos os sentidos; o paladar e olfato são os de segunda classe. “Todos eles sentidos puros da sensação orgânica, como que muitas vias externas de acesso, que a natureza preparou para que o animal possa diferenciar os objetos“, nos diz Kant. Assim, para ele, os três primeiros conduzem o sujeito, por reflexão, ao conhecimento do objeto como coisa fora de nós, o que não acontece com os outros dois sentidos, o paladar e o olfato são subjetivos e não conseguem se descolar do sujeito. Em seu livro Crítica do Juízo, ele reforça essa hierarquia. O olfato, para Kant e para o restante da tradição filosófica pós-kantina, é o sentido mais enganoso, superficial e fugaz, é o último dos sentidos. O mais ingrato e o mais dispensável dos órgão de sentidos, por isso não compensa cultivá-lo ou refiná-lo. Na perspectiva kantiana é impossível e até risível pensar numa filosofia olfativa, pois, o olfato é um sentido suspeito, um sentido paradoxal, já que os odores não são objetivos. Existe uma impossibilidade de classificar objetivamente os odores. A tradição filosófica de Kant a Hegel excluíram da reflexão filosófica, incluindo da Estética, tudo relacionado ao olfato. Para eles, o olfato é incapaz de produzir conhecimento verdadeiro sobre o mundo, sobre a realidade, bem como, estabelecer uma relação com a beleza e, por consequência lógica, com nenhum tipo de arte. Mataram a perfumaria como arte dos odores. Para eles, o grande problema é que os odores são voláteis, fugazes, evanescentes demais, os odores se dissipam absolutamente e muito rápido impossibilitando a construção de algo a partir deste fenômeno efêmero. Entretanto, surgiu na história da filosofia um filósofo que produziu uma transvalorização do olfato. Em Nietzsche temos uma possível filosofia da diferença olfativa, porque com ele o nariz ganha seu espaço na história da filosofia, e o olfato é retirado da condição de último dos sentidos. No paragrafo §3 do Crepúsculo dos ídolos, Nietzsche escreveu:

E que sutis instrumentos de observações são os nossos sentidos para nós! Por exemplo, o nariz do qual nenhum filósofo discorreu com a veneração e a gratidão devidas. O nariz é o instrumento mais delicado de que dispomos, capaz de registrar diferenças mínimas no movimento, o que nem sequer o espectroscópio marca. Atualmente só possuímos ciência enquanto aceitamos o testemunho dos nossos sentidos, enquanto armamos e aguçamos nossos sentidos ensinando-os a se dirigirem ao fim que nos propomos. O resto é somente um aborto que não é ciência, isto é, que é metafísica, teologia, psicologia, ou epistemologia, ou então é ciência da forma, teoria dos signos, como a lógica, ou lógica aplicada, como as matemáticas. Aqui a realidade não aparece nem sequer como problema, como tampouco se coloca a questão do valor que possui em geral um sistema convencional de signos, como a lógica“.

Nesse paragrafo temos a transvalorização, o olfato é elevado ao mais alto posto. Ao contrário da tradição de Kant a Hegel, para Nietzsche o nariz é capaz de produzir a mais fina flor da filosofia da diferença, pois ele é o instrumento mais delicado que temos e é capaz de registrar diferenças mínimas. Ele ainda acrescenta, com seu estilo peculiar e lapidar, para valorizar este sentido até então marginal na história do pensamento, as seguintes palavras, em Ecce Homo:

Eu fui o primeiro a descobrir a verdade, ao SENTI por primeiro a mentira como mentira – ao CHEIRAR… O meu gênio reside nas narinas“.

Ele não viu a verdade. Para Nietzsche, a verdade não se apresenta primeiro aos olhos, mas ao nariz, ele sentiu o cheiro da mentira. É o antiplatonismo nietzschiano se mostrando, pois se em Platão temos uma pedagogia do olhar, escrita no famoso Mito ou Alegoria da Caverna, no Livro VII da República, ela parte das sombras falaciosas da caverna para gradativamente conduzir os olhos para o sol, a verdade luminosa; em Nietzsche temos uma pedagogia do olfato. É possível e necessário cultivar e refinar o olfato para farejar a verdade, pois, muitas vezes, sentimos o cheiro da coisa e só depois conseguimos ver. Como o olfato sempre foi jogado para a margem da filosofia é com Nietzsche que ele ganha espaço, por isso, na história da filosofia, ele foi o primeiro a sentir o cheiro da mentira como mentira, e assim descobriu a verdade. A filosofia nietzschiana como uma filosofia olfativa. Nietzsche o cão farejador da filosofia, seu gênio reside nas narinas. Seguindo os escritos dele podemos dizer que existe uma inspiração canina na filosofia nietzschiana. Ao longo de suas obras é incrível a quantidade de alusão a cheiro, odor, perfume, nariz e coisas do gênero. Ele é o filósofo de nariz aguçado. Como um cão passeando pelo mundo cheirando o mundo. Nietzsche vai cheirando as verdades e mentiras da história da filosofia. Essa proposta de uma filosofia olfativa é novidade que surge com ele. Num processo de valorização daquele sentido desprezado e marginalizado ao longo da história do pensamento. Nietzsche propõe utilizar o olfato para sentirmos o mundo: o seus odores, seus perfumes, suas fragrâncias… Para ele o nariz constitui-se como um ótimo e delicado instrumento para descobrir mentiras… algo cheira mal, a verdade tem fragrância agradável enquanto que a mentira é nauseabunda.

No Ecce Homo, Nietzche escreveu, ao se referir ao seu livro Aurora, que com este livro ele iniciou sua campanha contra a moral. “Não que ele [o livro] tenha o menor cheiro de pólvora – nele se perceberão odores inteiramente diversos e muito mais agradáveis, desde que se tenha alguma finura nas narinas“. Só quem tem narinas apuradas poderá sentir os odores agradáveis presentes nesse livro, caso contrário não sentiram nada. Ainda no mesmo livro Ecce Homo, ao produzir um autocrítica ao seu livro O nascimento da tragédia, além de alfinetar o compositor Wagner, afirma que é necessário esquecer algumas coisas deste livro, e reafirma sua filosofia olfativa, dizendo que o livro “é politicamente indiferente, tem cheiro indecorosamente hegeliano, é impregnado em apenas algumas fórmulas com o cadavérico aroma de Schopenhauer“, e de forma taxativa diz: e o Schopenhauer se enganou em quase tudo. Poderia seguir revelando o nariz apurado do filósofo Nietzsche. Como afirmou Kofman:

El arte en el que Nietzsche es maestro proviene a la vez de un don de la naturaleza (el olfato) y de una adquisición por medio de Vbung y de Erfahrung, las cuales son su condición. Poseer tanta sabiduría exige no sólo un buen olfato sino asimismo tener buena mano, tener entre manos, bien entre manos el arte al que nos dedicamos (ich hube jetzt in der Hand, ich habe die Hand dafür). Es decir, poseer la habilidad de captar (jene Filigrankunst des Greifens und Begreifeins), en sentido propio y figurado, poseer tacto para los matices (Finger fiir nuances). Al romper con el modelo tradicional del conocimiento especulativo que es el ojo, Nietzsche junta las metáforas unas con otras, tomando como modelo de su sabiduría los sentidos más devaluados por la tradición metafísica (el olfato, el tacto). Al ser aquélla de tipo instintivo, él inscribe de entrada dicha sabiduría en la animalidad, lo cual, lejos de descalificarla, le confiere la mayor seguridad pues, contrariamente a la ratio preconizada por los filósofos que siempre calcula mal, el instinto no está sujeto al error

Nietzsche ao produzir sua filosofia olfativa rompeu com a tradição filosófica que desvalorizava o olfato. Nele temos um tipo de intuição olfativa, temos que sentir o cheiro da verdade. Essa capacidade olfativa no animais é superior a capacidade visual, assim ao contrário da tradição kantiana que colocava a visão como o mais importante dos sentidos, em Nietzsche a capacidade de sentir os odores é mais importante do que o ver, pois sentimos os odores primeiro do que conseguimos enxergar.





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